Mudam-se os tempos …

Quando este escrito for publicado estar-se-á no segundo dia após a comemoração do 48º aniversário do 25 de Abril.


Foi ela oportunidade para, na noite do dia 24, ter assistido a um magnífico concerto de homenagem a José Mário Branco, compositor de canções que os tempos de liberdade recém-adquirida inspiraram, glorificando-a e incitando ao seu aproveitamento para fazer de Portugal, ao jeito que ele o imaginava, um país melhor, mais igualitário, mais próspero e solidário.


O concerto, executado com maestria pela Orquestra Filarmónica da Sociedade Musical de Pevidém, pelo Coro da Liberdade, por guitarristas e cantores solistas de grande qualidade, foi muitíssimo bem concebido, com orquestrações que em nada desmereceram a enorme valia dos temas interpretados e os ideais que os inspiraram.
Sensível à música como sou, e amante da Liberdade que sempre fui, não poucas vezes me emocionei ao escutar algumas das canções que mais me reportam aos tempos esplendorosos de uma juventude quase embriagada pelo mundo novo cujas portas, melhor diria cujas grilhetas Abril escancarou.
A esse respeito, tocou-me particularmente, não só pela melodia e pelo poema que para ela de Camões foi colhido, cuja primeira estrofe refere que “Mudam-se os tempos mudam-se as vontades / Muda-se o ser, muda-se a confiança / Todo o mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades.”, a canção que tomou o título daquele primeiro verso, sendo o refrão, da autoria do compositor, uma portentosa exortação à construção de um futuro promissor de mais humanidade, paz e justiça, o qual em uníssono com todos os presentes entoei, baixinho em preferida intimidade com as palavras, ao mesmo tempo que tomava consciência de que ainda se me não secara completamente a nascente das lágrimas.
Transportei-me àquele deslumbrante dia 25, dia em que se deu o que senti como o milagre de um novo nascimento, mas não involuntário, ao contrário do que – eram tempos de chumbo – cantou em inesquecíveis versos o enorme poeta que é (os bons poetas não morrem) António Gedeão, e Adriano Correia de Oliveira, rapaz do meu tempo de Coimbra que aos 40 anos chegou ao fim não sem que antes, com impar musicalidade, igualmente tivesse cantado, quando, um e outro, trocando entre si canção e poema, dizem “eu nem sequer fui ouvido no ato de que nasci.”

Eu sabia que havia de voltar a nascer – e não digo renascer pois jamais, nos trinta anos que então levava de vida, estivera em mundo semelhante ao que naquele Abril se fez o meu berço – saído de um mundo de trevas para o esplendor da claridade feita de prados de todas as tonalidades e de cravos surpreendentes e de uma até então desconhecida mas inebriante fragrância a liberdade.
O mundo mudaria, eu sabia que iria mudar, até me sinto um dos que empurraram o tempo e encaminharam o vento para que a mudança se fizesse; mas nunca imaginei que quanto à cor, ao som, ao odor da Liberdade não houvesse palavras que os descrevessem: são os dela própria, da Liberdade, incomparáveis e indescritíveis. Qualquer metáfora, qualquer poema, incluindo aquele que considero o mais belo dedicado à Liberdade, de que é autor Paul Élouard e tem por título precisamente “Liberté”, nome que ele escreve poeticamente nas nuvens, no mar e nos barcos que o sulcam, nas carteiras das escolas e nas páginas dos livros escritos e nas páginas brancas dos livros por escrever, nos caminhos e nas árvores da floresta, nas mãos estendidas, nas palavras e nos silêncios, no horizonte e no azul do céu, enfim, em tudo o que é palpável e em tudo o que é etéreo, palavra essa, Liberdade, por cujo poder o poeta diz recomeçar a sua vida, pois, assim termina o poema, afirma ter nascido para a nomear e conhecer o seu significado.

Desde então o mundo tem vindo a mudar, como poetou Camões e cantou José Mário Branco, acontecendo cada mudança para gáudio de uns e desespero de outros, gáudio e desespero tanto pelo bem como pelo mau que as acompanharam, na razão inversa e desproporcionada do bem e do mal em cujos pratos da balança o mal, bem para muito poucos, eleva esse bem, mal para todos os demais, a negras, gélidas e desesperançadas alturas.

Aguardo que mude de novo, tenho a certeza que mudará, para tempos em que as vontades confluam e desabrochem na Liberdade para a qual senti ter nascido há 48 anos, que não é outra senão aquela cujo som, cor e fragrância sejam as que só nela, Liberdade, existem.

António Mota-Prego

Guimarães, 28 de fevereiro de 2022
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