Remar contra a maré
Há umas décadas atrás era de bom tom, para alguns, parecer mais velho. Havia neles a convicção de que ser mais velho é que era bom.
Por isso, quando eu era mais jovem, assisti, com um razoável grau de estupefação, à tentativa de - pelo vestir ou pelo falar - algumas pessoas jovens quererem parecer sempre mais velhas e, com isso, adquirirem o grau de respeitabilidade que, segundo quem assim procedia, não lhes era devidamente creditado.
Como as regras desses almoços eram rígidas não era fácil escapar, mas a gente fazia por isso.
O que me irritava naqueles que, com a minha idade, queriam ser e, sobretudo, parecer respeitáveis é que deitavam frequentemente por terra todas as mudanças de costumes que nós dizíamos, em casa, serem já inevitáveis. Se um “amigo” teu aparece a tua casa, em calças de fazenda e ficava a ouvir, pacientemente, os teus familiares a queixarem-se da espondilose, sabias logo que não irias ter muita sorte para convenceres o agregado familiar da importância sagrada do concerto dos The Clash no Dramático de Cascais. Assim comigo aconteceu, para muita pena minha. E a culpa não era das companhias com as quais iria ao concerto, mas das companhias que nem sequer sabiam do concerto.
Hoje a loucura é ao contrário. Toda a gente, mesmo os jovens, quer parecer mais jovem.
No fundo é uma questão de compreensível raridade. Quando abundavam os jovens queria ser-se mais velho, agora, com a escassez de juventude, quer-se estar na faixa etária menos abundante.
E já não falo sequer dos menos jovens que irrompem pelas festas de adolescentes a quererem dar um passinho de dança, ou do estranho pessoal que insiste nas camisas slim apesar da barriga extra-large, falo em pessoal como eu, com um certo horror ao ridículo, que insiste em fazer coisas pouco recomendáveis para a idade, como desporto ou noitadas com os amigos. Não me parece certo, apesar de o fazer. No desporto pode até ter-se uma cabeça competitiva, mas as pernas é que já não o são há muito. Como nunca me deu para a tranquilidade sedentária das cartas, ainda gosto de jogar umas partidinhas de futebol ou mesmo de voleibol. Havendo uma impossibilidade prática de eu ver a figura que efetivamente faço quando jogo em equipa, continuo, na ignorância, a fazê-la. E aquilo que, quando eu era jovem, era impossível de verbalizar, aparece agora com frequência na boca dos mais jovens: o meu pai está lesionado! Caiu pelas escadas, pergunta alguém mais lógico e assertivo. Não, foi a jogar à bola. E faz-se um silêncio confrangedor.
Na verdade, se resisti à tentativa de quando era miúdo querer parecer um senhor, hoje não resisto ao inverso. E, modéstia à parte, acho que procedi e procedo, num e noutro caso, com um propósito compreensível. A experiência não deixa nenhum encantamento particular, já a falta dela é um poderoso aditivo para a vida, para se errar alarvemente, para se aprender, para se viver.
Repetir à exaustão as coisas que sempre nos encantaram, apesar das limitações que sobrevêm, pode parecer um pouco ridículo, mas sucumbir às limitações parece-me bem pior. E enquanto a cabeça não se rende, o resto do corpo tem a obrigação de fazer a necessária companhia. Por isso não viemos nós às peças.