Guia breve para não parecer tão velho

Lembro-me com razoável nitidez a impressão que tinha, quando era novo, do meu convívio com os mais velhos.

Penso que cada um de nós, se a memória for honesta e sem grandes danos, lembrar-se-á. É, assim, necessário puxar a cassete atrás, perceber o filme no seu início para não estragar o final.

Os mais velhos têm para os mais novos, fundamentalmente, um caráter utilitário. É necessário assumir isso sem complexos. Pagar um copo, não usar de arrogância, dar aquele conselho sobre coisas que já nos incomodaram e agora a eles incomodam, é simples e eficaz. Deve continuar a fazer-se isso: gera um reconhecimento imediato e satisfatório para ambas as partes. Agora querer entrar no mundo dos mais novos, fazer parte por igual é desajustado e gera imensos constrangimentos. Principalmente nos mais novos. Ficam assim alguns conselhos.

Dos preconceitos. Da nossa educação e vivências ficaram coisas que, mesmo à laia de piada, mesmo não efetivamente sentidas, podem parecer preconceituosas. Há que evitar deslizes, o preconceito é mortal (para nós) numa boa relação com os mais jovens. Parecer racista, homofóbico, pouco amigo do ambiente, sexista, é o maior dos pecados. Por isso nada de piadinhas. Se não soubermos definir o género não devemos atirar para o ar palavras como transgénero, não-binário, pansexual. Isso é perigoso. Fiquem-se pelo heterossexual e homossexual, vocês sabem o que isso é. Para além disso é o pântano!
Fomos habituados a termos clivagens sérias com assuntos concretos como a semanada, o sair à noite, o sexo. As coisas agora são bem mais complicadas. Mais fluídas. Situações há em que mesmo não dizendo nada de preconceituoso, somos acusados de o sermos. E muitas vezes não pelo que dizemos, mas por aquilo que os jovens acham que, no fundo, pensamos. É dizer-lhes exatamente isso – inverter o ónus da prova - e mudar rapidamente de assunto.

Da linguagem. Não se pode cair nunca na tentação de querer ter a linguagem dos mais novos. Ela muda muito rapidamente para a nossa lenta atenção. Não se pode mimetizar a simpatia que é aprender a dizer obrigado ou bom-dia em turco ou em croata e replicar isso, feito turista acidental, no jargão dos mais novos. Por isso nada de dizer “bué” ou escrever LOL nas mensagens. Já não se usa. A vossa linguagem é mais segura e basta para se comunicarem com os mais novos. Às vezes atirar mesmo palavras simples, mas para eles complicadas, como profícuo ou excelso, é um bom caminho para os pôr na defensiva. E isso dá, por vezes, jeito. Não apliquem nunca o jargão “como vossos dizem” ... a que se segue, geralmente, um arcaico disparate.
Nunca digam “no meu tempo”, isso faz-vos parecer personagens de um documentário no Canal História. Refiram-se ao vosso passado como se fosse, apenas, ontem.

Da tecnologia e do elogio. Pertenço a uma geração que, quando era jovem, ouvi-a com frequência, no mundo analógico, “dá cá isso, que tu não sabes fazer nada”. De repente, passou-se para o endeusamento do que os mais novos sabem fazer e as tecnologias são o terreno em que, hoje, se descobrem os “sobredotados”. Ora vamos lá ver, mau era que eles não tivessem destreza nessa área, quando, para que eles deixassem os pais em paz, se lhes meteu nas mãos à nascença uma parafernália de dispositivos tecnológicos que, a meu ver, embruteceram mais do que distinguiram. Saber pôr o telejornal na box da avozinha, ou fazer uma atualização no telemóvel do pai, não significa que os jovens tenham superlativas capacidades intelectuais. Por isso nada de elogios exagerados que só vos apoucam. É necessário, da nossa parte, alguma contenção no elogio. Se tiverem problemas ao nível tecnológico recorram a amigos vossos - a vossa espécie tem sempre alguém up-to-date - e tentem aprender. Não é assim tão difícil. E por amor de Deus não façam pequenos vídeos para o tiktok. Mostrem-se superiores. Apliquem, a isso, a palavra supérfluo. Vai ser mais eficaz que a brutalidade linguística de que foram vítimas enquanto jovens.

Do desporto. Não se podem praticar desportos de equipa com os mais novos: essa é uma regra de ouro. Se os vossos ossos ainda permitem mexerem-se num desporto com bola, joguem com alguém da vossa idade, com as mesmas artroses, com a mesma barriga, é mais justo. Jogar com alguém mais novo é um suplício, eles são muito mais rápidos e por isso muito melhores. Não há volta a dar-lhe e o vosso mau perder vai dar cabo da vossa reputação. A evitar.

Do convívio. Marquem distâncias com educação, mas sejam genuínos e descontraídos. Não peçam cerveja ao jantar para estarem na onda, peçam um vinho. Não se ponham, no entanto, com coisas chatas como este vinho tem muita madeira, ou frutos silvestres, isso é extraordinariamente aborrecido. Como eles não percebem nada de vinho, por vezes basta ler o rótulo e dizer o que lá está, mas com um ar de quem sabe o que diz, mesmo não sabendo. Mas podem sempre arriscar, se estiverem confortáveis, com coisas simples como “gosto muito deste Dão e, em particular, da casta Encruzado”. Dá-vos status, mas paguem a conta por favor, não sejam sovinas. Não frequentam as mesmas discotecas dos mais novos e, sobretudo, nunca bêbados: ficam com um terrível ar de predadores sexuais. Atenham-se ao vosso grupo etário: aí o que seria “figura triste” passa, magicamente, ao estatuto de divertido.

No entanto, estar com gente mais nova, falar com eles, rir dos seus maravilhosos disparates, da enervante rapidez com que formulam uma ideia, é mais eficaz que um antirrugas ou do que doses maciças de antioxidante. Mas com as cautelas necessárias para não estragar tudo. Ter jovens por perto é a forma mais eficaz de evitar o tédio.

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