MEMÓRIA: Príncipe Filipe visitou Guimarães em 1973 e recebeu as «chaves» da Cidade
A morte do Príncipe Filipe, Duque de Edimburgo e marido de Isabel II, a rainha de Inglaterra, foi anunciada esta sexta-feira pela Família Real.
Nas páginas do jornal O Comércio de Guimarães repousam os ecos da sua passagem pela Cidade, corria o ano de 1973, a propósito da celebração dos seis séculos de um acontecimento histórico - a Aliança Luso-Britânica, assinada em Tagilde, à data território do concelho de Guimarães. Como se pode ler na edição do dia 8 de Junho de 1973, a ilustre visita serviu para comemorar o tratado comercial assinado em 1353, entre o Rei Eduardo III de Inglaterra e D. Fernando e D. Leonor. Curiosamente, nessa curta deslocação, o Príncipe não chegou a deslocar-se a Tagilde.
Na edição seguinte do mesmo jornal, publicado a 16 de Junho de 1973, podemos acompanhar os pormenores da visita real. Eis, o artigo então publicado.
"Era de esperar. Reside nos pergaminhos desta nobre cidade o acolhimento fidalgo e entusiástico às figuras ilustres que nos visitam. Ainda há pouco, Guimarães realizára magnífica e vibrante recepção ao presidente Medeci e, agora, ao Príncipe Filipe, duque de Edimburgo, que aqui viera no dia 8, em visita integrada nas comemorações do VI centenário do Tratado de Tagilde, instrumento da Aliança Luso-Britânica, prestará um acolhimento cheio de entusiasmo e vibração.
Não foram multidões maciças, mas ao longo dos passeios e largos - Rua D. João I, Toural, Alameda Salazar, Largo da República do Brasil, Rua Alberto Sampaio, Praça da Mumadona, Carmo e Palácio dos Duques - milhares de pessoas aclamaram jubilosamente o príncipe Filipe.
Em Caneiros foram os primeiros aplausos. O príncipe passou a ocupar um automóvel descapotável, pois só desta maneira poderia ser visto pelas gentes ao longo das estradas, ruas e largos.
Pela Rua D. João I acima, a manifestação ganhava já ressonâncias e maior se tornou quando a multidão vislumbrou o príncipe Filipe, de pé, no automóvel que o transportava, sorrindo e agradecendo.
Apoteose ao Príncipe
Uma apoteose envolveu o Príncipe Filipe através da Cidade. Sua Alteza Real, que caminhou a pé alguns metros, recebeu os cumprimentos do Presidente da Câmara, Araújo Abreu e vereação, do D. Prior da Colegiada Monsenhor Araújo Costa, Dr. Almeida Coelho, deputado Eng. Duarte do Amaral.
E por entre o entusiasmo popular, manifestado em palmas e pétalas de flores, junto ao monumento ao Rei Fundador, foram-lhe entregues as chaves da Cidade, altura em que outras personalidades lhe apresentaram cumprimento, nomeadamente o comandante da I Região Militar, General Martins Soares e deputados.
À entrada do Palácio dos Duques, com dossel especial e guarda de honra da GNR em grande estilo, viam-se várias raparigas com trajes regionais, segurando à cabeça açafates juncados de flores.
Na «colina sagrada», onde se levantam três monumentos históricos, insinuou-se um ambiente de quase religiosidade evocativa, de mistura com o aplauso ao príncipe e ao aliado amigo que representava. O sol iluminava a paisagem, as figuras, as pedras, o quadro humano que relembrava gerações de outrora na porfia da grandeza nacional.
O almoço
A comitiva acolheu-se depois ao palácio Ducal, onde decorreu o almoço oferecido pelo ministro português dos Negócios Estrangeiros, o qual, na mesa, dava a esquerda ao duque de Edimburgo, seguindo-se, do mesmo lado - e segundo uma nota fornecida pela SEIT-, o embaixador da Grã-Bretanha em Lisboa, a senhora de Araújo Abreu, e o Arcebispo de Braga. À direita do dr. Rui Patrício, sentaram-se a embaixatriz da Inglaterra, o Governador Civil de Braga, a senhora de Martins Soares, e o Presidente da Câmara de Guimarães.
Eis a ementa: aperitivo: empadão de rodovalho; lombo de boi à D. Henrique, pudim gelado morangos, café do Ultramar Português; quanto a vinhos: branco verde Deu-la-Deu (Real Vinícola), tinto maduro Constantino 1963, Porto Old Alliance Taylor's, aguardante «fim de século» e bagaceira de Mondim.
Tagilde - uma presença
Depois do almoço, o duque assomou ao primeiro piso do Palácio. Havia os ranchos folclóricos, Festada de São Torcato e Amarante. Presente também a banda de Infantaria 6.
Decorria, então, uma breve cerimónia.
Nas escadas por onde saira o principe e demais comitiva, postara-se uma representação de Tagilde (cinco homens com opas vermelhas e mais alguns) onze no total, elementos das autoridades locais, com o seu pároco. Um dos homens ostentava a cruz de ferro que, há seis séculos, testemunhara a assinatura do Tratado de Tagilde. O duque de Edimburgo, perante a explicação, olhou e sorriu venerador, e solicitou um cumprimento do pároco de Tagilde, que acorreu.
Na altura, igualmente o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães lhe fez a oferta de um castelo (de Guimarães) de ouro.
Já no pequeno estrado o Príncipe Filipe tomou lugar, ladeado pelas entidades presentes. Nessa altura, um «casal» do rancho folclórico de São Torcato adiantou-se para lhe oferecer um ramo com seis flores (rosas) de cores diferentes (todas sob o tom rosa), representando cada uma um século de história da «velha aliança».
Da porta principal, começaram a surgir, aos pares, carregando açafates de flores, dezenas e dezenas de elementos mistos regionais, que se iam dispondo no pedrado. Todos os cestos foram descarregados no chão.
A banda tocou, então, os hinos nacionais dos dois países.
A partida
Eram 14h40 quando o Príncipe Filipe se despediu das entidades locais e partiu de seguida para o aeroporto de Pedras Rubras. Duas e meia horas estivera Filipe de Edimburgo em Guimarães. Bondou tempo, todavia, para se escrever na história uma bela jornada de fraternidade luso-britânica. E para o príncipe partir mais feliz e mais amigo de Portugal. Pena somente que Tagilde, a terra da Aliança, ficasse esquecida no seu ruralismo brilhante e perfumado. Foi mais que pena: uma frustração que ninguém perdoa. O Príncipe Filipe deve tê-lo sentido".
Marcações: Guimarães, Inglaterra, Tagilde, Príncipe Filipe, visita real, Aliança Luso-Britânica