A ter em atenção



É sempre motivo de reflexão para mim a tendência arreigada, especialmente nos órgãos de comunicação social, para a classificação das pessoas de acordo com a idade

ou a raça.
Vem isto a propósito de, em conversa com amigo que se queixara de ter acabado de fazer 60 anos, me ter lembrado da primeira notícia que se me atirou aos olhos no dia em que me tornei sexagenário.

Antes, porém, de ir à notícia e ao que devido a ela virá por arrasto relativamente ao tema com que abro esta crónica, dou parte de que ao referido queixoso amigo, retorqui que devia era estar contente, como devem estar todos os que fazem anos, dado que, verdadeiramente trágico, é não os fazer. Para mais 60 anos! O que são 60 anos nestes tempos em que, de quem os aniversários se acabam na casa dos 70, se diz que “morreu novo”!
Voltando ao 27 de fevereiro de 2004, o tal do meu sexagésimo aniversário, tendo saído de casa, adquirido o jornal e ocupado a mesa do café para o pequeno almoço, lancei-me à atualidade começando, evidentemente, pela primeira página.
Uma chamada a notícia interior, tinha como título o seguinte: “Idosa morre atropelada na nova circular de Vila Nova de Famalicão”.
Sem lhe dar maior atenção do que lhe daria o comum dos leitores, fui folheando o jornal e assim ficando a par do que por cá e por esse mundo acontecera entre graças – poucas – e desgraças – muitas, como é timbre de informação genérica que se preza e, chegando à primeira das páginas denominadas “Local”, lá estava o desenvolvimento da tal chamada de primeira página: “Mulher de cerca – sublinho o cerca – de 60 anos foi violentamente colhida por um automóvel na nova circular de Vila Nova de Famalicão, tendo sofrido ferimentos de gravidade”, seguindo-se algumas mais informações sobre a ocorrência, de entre as quais a de que “socorrida por uma equipa dos INEM, a idosa foi encaminhada para o hospital daquela cidade …” etc.

António, ACABAS DE TE TORNAR IDOSO; OU JÁ O ERAS HÁ ALGUM TEMPO? foi o início da primeira das conversas que nesse dia tive comigo, pois que na véspera daquele dia, assim como algum tempo, não muito certamente mas sem que soubesse calcular quanto, eu, tão os tendo ainda, tinha seguramente cerca de 60 anos.
O meu primeiro impulso foi de correr às instalações sanitárias, secção “H” (homens, entenda-se), para me ver ao espelho para conscientemente me observar idoso, mas refreei o impulso da urgência; aguardaria que um mais costumeiro e espaçadamente frequente motivo me impusesse a viagem ao “H”, e então veria se detetava alguma diferença em mim ocorrida na noite com que começou a dia do meu aniversário, se bem que eu tenha nascido só às oito e meia da noite, pelo que, a bem dizer, na manhã daquele dia eu ainda os não tinha verdadeiramente, mas sem dúvida já tinha cerca disso.

Ora, o que me levou ao até agora dito, foi a tal tendência de que falo no primeiro parágrafo deste escrito.
É o dizer-se que determinado acontecimento atingiu um idoso, ou um jovem, ou uma pessoa de determinada raça ou origem, sem que a correspondente adjetivação tenha algum interesse para a descrição do evento; faço precisão dessa falta de interesse, pois casos há em que as circunstâncias de idade, etnia, origem, altura, peso, densidade capilar, modo de trajar ou outras sejam elemento de valia, ou até indispensável para a notícia.
Em que idade deixa de se ser jovem? Aos 20, aos 30? Ainda ontem li que Rishi Sunak será, aos 42 anos, o mais jovem primeiro ministro do Reino Unido nos últimos duzentos anos.
O facto de ser de etnia indiana nada releva para a notícia da sua escolha para chefiar o Partido Conservador britânico, mas já relevará ao ser feita a sua biografia, ou de ser a primeira pessoa de etnia não branca a ascender ao cargo.

A meu ver, a classificação das pessoas por referência à sua idade, etnia, ascendência, estatuto, profissão, ideologia, religião, etc, depende do contexto em que a referência a elas é feita. Na verdade, aos 41 anos, Ramalho Eanes foi um jovem presidente da república. Mas com a mesma idade qualquer futebolista profissional é já considerado velho.
Repare-se que não incluí nos considerandos feitos qualquer referência a género, apesar nos factos noticiados que envolvem pessoas individualmente consideradas, sempre se dizer ter sido interveniente um homem, ou uma mulher, ou determinado número de pessoas de um e outro sexo.
É que, quanto a este aspeto, não pode esquecer-se que, a respeito de género, vai sendo estudada, analisada, e cada vez mais exigida a consagração legal e a aceitação social generalizada de géneros para além do masculino e feminino, ou seja, de pessoas que não são exclusivamente masculinas ou femininas. Trata-se da não-binaridade.
No que a esta matéria toca, academicamente podem considerar-se, entre outras, classificações tais como agénero, neutrois, intergénero, pangénero, ou seja e respetivamente, pessoas que se declaram sem género, género neutro, gênero interligado a uma variação intersexual de género e género infinito.
Ora, no comum caso de atropelamento, como noticiar que a vítima foi cidadã ou cidadão que se não aceita e parte da sociedade reconhece como não pertencendo ao género masculino nem ao feminino?

O igual respeito e consideração que merecem todos os seres humanos imporia que, no exemplificado caso de atropelamento, se não apressasse o autor da notícia a dizer que o colhido fora um homem, ou uma mulher, antes devendo fazer parte da sua averiguação o real género da vítima, para poder dizer, por exemplo, que «em tal sítio, às tantas horas, foi atropelada pessoa de género que não foi possível apurar mas que, de acordo com informações colhidas no local, será intergénero adulto, que sofreu ferimentos graves, pelo que foi encaminhado para o hospital …». (Atenção ao cuidado de não anteceder a palavra de artigo indefinido, que necessariamente teria de, injustificadamente, ser masculino ou feminino).
Dado o atual estado da ciência, particularmente da ciência médica e especialidades reconhecidas, a indagação deverá incidir sobre qual o médico ou médica a que o ferido tem recorrido a título de prevenção ou tratamento na área da saúde sexual: isto porque, quanto à matéria, apenas são conhecidas e reconhecidas duas especialidades: a andrologia e a ginecologia.
A ter, pois, em atenção.

Guimarães,
25 de outubro de 2022
António Mota-Prego
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terça, 25 outubro 2022 17:35 em Opinião

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