S. Gualter de Guimarães

Hoje, dia via em que escrevo o presente artigo, celebra a Igreja Católica a memória de S. Domingos de Gusmão fundador da Ordem dos Pregadores (Dominicanos)

que, conjuntamente com a Ordem dos Frades Menores (Franciscanos) fundada por S. Francisco de Assis, constituem as duas ordens mendicantes surgidas nos primórdios do século XIII como resposta aos tempos atribulados da Igreja de então.

O seu apostolado assentava na oração, na pregação e na evangelização,acompanhando de modo particular os mais carenciados, os pobres e os doentes. Corria o ano 1216 quando Francisco de Assis envia para Portugal dois frades:Frei Zacarias, que se dirigiu para Alenquer, onde por volta de 1222 edificaram os Franciscanos o seu convento num paço doado pela infanta D. Sancha, filha do nosso segundo rei D. Sancho I e irmã do rei D. Afonso II com quem se travou de conflitos; e Frei Gualter, que se dirigiu para Guimarães, instalando-se fora da vila, na falda dum monte de acesso difícil e penoso, na encosta do monte de Santa Catarina (Penha), no local da “Fonte Santa, junto das claras águas dum regato, em cela feita de ramos, continuando a vida eremítica que na Úmbria praticavam os Irmãos Menores”.

De entre as instruções dadas por S. Francisco a seus discípulos, merece realce a seguinte: “…mas sejam vossas palavras acompanhadas de obras, porque neste caso mostra mais que a doutrina. Há-de ser tão humilde e tão santa a vossa conversação, que quem vos vir e ouvir, em vós mesmos glorifique o vosso Eterno Padre. Anunciai com alegria a paz do Céu, da qual sois embaixadores…”

O dia-a-dia de Frei Gualter era repartido entre a contemplação e o trabalho. Durante o dia descia da tranquilidade do seu retiro à Vila, ao hospital, onde oferecia os seus serviços, ou aos campos, para ajudar os homens em seus labores. Fora desses trabalhos, pregava com muito zelo e eloquência a salvação das almas, recomendando penitência, oração e o abandono das

riquezas. A sua fama chegou longe, tais foram os serviços prestados à comunidade. As desavenças foram algumas também, não fosse por vezes grande o choque da sua mensagem face aos poderes instalados.

A sua morte terá ocorrido no dia 30 de Julho de ano posterior a 1258, ano da fundação do Convento de S. Francisco do Porto, na qual esteve presente. A sua santidade e veneração pelas suas virtudes é bem comprovada com o registo do seu falecimento no livro de óbitos dos Cónegos Regrantes de Santa Cruz de Coimbra, já que de outro modo não se compreende tal registo nessa espécie de Martirológio doméstico dos Crúzios.

São muitos os milagres descritos pelos cronistas, nomeadamente ocorridos depois da sua primeira trasladação e segunda deposição no convento fundado mais tarde junto dos muros exteriores da vila. As pedras do seu sepulcro chegam mesmo a ser desfeitas para constituir relíquia, tal é a sua fama de santidade.

Os documentos referentes a muitos milagres fê-los o tempo desaparecer, em especial com a expulsão de Portugal das Ordens Religiosas em 1834 no tempo de Joaquim António de Aguiar, “o mata frades”, com a perda irreparável dos arquivos conventuais.

O reconhecimento público e oficial da importância do culto ao nosso Santo, está bem patente com a Bula aprovada em 17 de Dezembro de 1577 pelo Papa Gregório XIII e ampliado mediante Breve de Gregório XV em 15 de Abril de 1621, ou pela concessão de Filipe III, a 20 de Janeiro de 1622, para que em Guimarães se celebrasse a procissão de S. Gualter: “Ey por bem e me praz que a dita prossição se renove cada anno no dia da festa do dito santo e assistão pessoalmente nella os oficiais da câmara da dita villa e se fação com a mesma solenidade e festas com que se fazem as mais prossições da obrigação della e ir pelas ruas que a camara ordenar com declaração que o gasto da dita prossição será o que se faz com as prossições de obrigação da dita camara …”.

Depois de três décadas sem que a procissão se realizasse, na sequência do período conturbado que se seguiu ao 25 de Abril, com a parte religiosa das Festas Gualterianas limitada à celebração da eucaristia, adquiriu a Irmandade de S. Gualter renovado fôlego e projecção no ano de 2005 que culminou com o ressurgimento da Majestosa Procissão de São Gualter presidida nesse ano por Sua Excelência Reverendíssima D. Jorge Ortiga, então arcebispo da nossa diocese e, no ano seguinte, por sua eminência o Cardeal D. José Saraiva Marins, nessa altura Prefeito da Congregação para a Causa dos Santos.

Mais tarde, em 2013, e depois de diversas diligências desenvolvidas junto da VOT de S. Francisco, nomeadamente por parte do saudoso dr. Fernando Alberto, foi possível fazer regressar o santo à casa, à igreja de S. Francisco, onde agora se encontra, mantendo a Irmandade de S. Gualter a tradição das celebrações em honra do santo, tal como mais uma vez o fez no passado domingo, com a eucaristia da manhã muito participada e brilhantemente solenizada por um grupo coral e a procissão ao final da tarde.

Está, pois, de parabéns a Irmandade de S. Gualter e a VOT de S. Francisco ao promover estas celebrações lembrando o importante testemunho de amor aos vimaranenses que este discípulo de Francisco de Assis aqui nos deu.

Guimarães, 8 de Agosto de 2022
António Monteiro de Castro

quinta, 18 agosto 2022 09:25 em Opinião

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