"Mega-unidade de missão" sugerida para solucionar crise da habitação em Portugal

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A crise da habitação existente em Portugal precisa de "uma mega-unidade de missão para pensar em todas as frentes do problema e encontrar soluções". A ideia foi defendida por Fernando Teixeira dos Santos, numa conversa integrada no ciclo «Cidade Aberta», organizada pelo Grupo Habitar – Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional, em colaboração com a Universidade do Minho e a Sociedade Martins Sarmento.

Durante a iniciativa realizada no passado dia 23 de abril, na biblioteca da centenária instituição cultural vimaranense, para debater o tema “Faz sentido pensar em estruturas de missão como solução para o problema da habitação em Portugal?”, o economista observou que "apenas 2,5 por cento da oferta habitacional do País é pública", ao defender que tem de haver capacidade de resposta para as diferentes necessidades da procura de habitação: tradicional, de alojamento local e até de investimento financeiro.

"O Estado demitiu-se do seu papel na oferta habitacional. Deixar à iniciativa privada a resolução do problema foi um erro", afirmou, ao considerar que a solução requer "uma resposta e medidas em muitas frentes". "Não é só construir habitações! É preciso criar condições para que haja construção e incentivos para construir", continuou, insistindo que o desafio envolve o "aumento da oferta pública de habitação".

Para além de exigir "um planeamento territorial integrado", Fernando Teixeira dos Santos lamentou a inexistência de um quadro legal estável que incentive a construção para arrendamento, deixando ainda reparos quanto à transparência no regime de licenciamento, à revisão das condições de financiamento "para mobilizar recursos para sector" e à fiscalidade "mais coerente, estável e previsível que não desincentive o investimento".

"Para tudo isto, acho que é preciso uma mega-unidade de missão, capaz de actuar no terreno, mas antes dessa temos de ter uma unidade de missão para pensar integradamente as diferentes frentes do problema", sustentou, assumindo "duvidar da capacidade dos organismos públicos que estão associados ao setor para encontrarem soluções". "Têm uma visão muito burocrática da gestão da habitação e não são capazes de dar um salto e pensar em termos mais estratégicos e mais a longo prazo para enfrentar o problema", disse, ao insistir na defesa da criação de uma unidade de missão. "Uma estrutura com grande empoderamento político e técnico, com recursos, com alguma capacidade de autonomia de gestão, com estatuto muito próximo do empresarial para ser capaz de ter o dinamismo e a capacidade de avançar com algo que faça a mudança", apontou o ex-Ministro das Finanças que autorizou e acompanhou a criação de várias Estruturas de Missão.

O debate contou com a participação dos arquitectos Manuel Correia Fernandes, Carlos Figueiredo e Alexandra Gesta, contribuindo cada um deles com perspectivas em que partilharam as suas experiências relacionadas com as políticas de habitação em diferentes momentos das suas carreiras profissionais.

A arquitecta Alexandra Gesta que presidiu ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, em 2017, e acompanhou Fernando Távora no projecto de reabilitação do Centro Histórico de Guimarães, lembrou políticas e práticas com bons resultados, como "o SAAL, no pós 25 de Abril de 1974, o programa de eliminação das barracas, o período das cooperativas", elogiando o exemplo de Manuel Correia Fernandes. "Havia uma indómita vontade", observou, ao frisar que a solução para o problema da habitação está "na vontade política". "Há dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência! Não fazem porque não são capazes, porque não querem, porque estão preocupados provavelmente com outras coisas mais importantes para eles do que com as pessoas que vivem em condições miseráveis e outras que nem conseguem ter uma casa", comentou na sessão que contou com a moderação do arquitecto André Fernandes, do Grupo Habitar.

O ciclo “Cidade aberta” terá continuidade ao longo do ano. "Em Junho, provavelmente em Coimbra, falaremos de sociedade civil e da sua importância na construção do nosso habitar em conjunto. Um pouco mais à frente, em Lisboa, falaremos de cooperação na habitação", assinalou, justificando que "perante a dimensão do enorme problema que temos hoje na habitação, que algo teima em falhar na forma como o Estado tem gerido este direito constitucional". "As estruturas do seu aparelho têm-se revelado incapazes de responder à vertigem de promessas que os mais altos dirigentes políticos levianamente anunciam para mascarar a negligência dos últimos 20 anos. Basta lembrar as 26 mil casas prometidas para o 25 de Abril de 2024, a que recentemente se juntaram mais 33 mil", salientou, recordando que num passado recente resolveram-se "problemas complicados com outros modelos de administração da coisa pública", ao sugerir a criação de uma estrutura de missão. 

E sinalizou alguns exemplos e respectivos resultados: o programa SAAL de Nuno Portas, como experiência política de referência na co-responsabilização dos vários actores (Estado Central, Municípios, Banca, Técnicos e populações) envolvidos na resolução dos problemas da habitação; o PER – Programa Especial de Realojamento, exemplar no entendimento entre forças políticas distintas, concretamente o Ministro Ferreira do Amaral e o Presidente da Câmara de Lisboa, à época Jorge Sampaio, que permitiu a erradicação das barracas; a reabilitação do Centro Histórico de Guimarães, com Fernando Távora e Alexandra Gesta; a Expo 98 com Cardoso e Cunha e António Mega Ferreira, que transformou uma área degradada e significativa de Lisboa numa nova centralidade; a Porto 2001, Capital Europeia da Cultura, com impacto relevante na requalificação da cidade; e mais próximo no tempo mas mais distante da cidade e da habitação, a estrutura criada para vacinação durante a pandemia da Covid-19 com o Almirante Gouveia e Melo.

sexta, 02 maio 2025 19:17 em Economia

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